terça-feira, 29 de novembro de 2011

O Valor da Arte!

Atualmente temos ouvido muito sobre roubo de Arte na internet. Pessoas como Chad Love Liebermann do site Art4Love (se você não conhece essa história, por favor leia o artigo, em inglês, aqui - www.plagiarismtoday.com/2011/08/22/the-art4love-chad-love-lieberman-plagiarism-scandal/) e muitos outros estão sendo apontados como ladrões de arte, mas esses são apenas os “peixes grandes”. Pessoas comuns também são culpadas. Eu mesma fui uma vítima disso.

"A internet é a grande culpada", todo mundo diz. Mas para os artistas, é bastante difícil proteger seu trabalho e ao mesmo tempo mostrá-lo ao mundo. Hoje em dia, a internet é o melhor meio que temos para nos fazermos conhecidos e vendermos nosso trabalho. A melhor maneira de proteção é usar as horríveis marcas d’água e carregar nos sites imagens de baixa resolução. Mesmo assim, a proteção não é total. E por quê?

Eu acredito que todo o problema seja sobre compreensão e, é claro, educação. As pessoas normalmente não entendem o valor de uma obra de arte, nem o esforço que o artista despende para produzi-la e nem todo o processo de criação.

Mesmo para o próprio artista, colocar um preço em uma obra pode ser bastante difícil. Mas o que é necessário entender primeiramente é que um artista vive da sua arte. E quando digo isso, quero dizer que o artista vende usa arte para pagar o aluguel e todas as coisas de que as “pessoas normais” precisam, mesmo que a maioria delas ache que um artista não precisa dessas coisas. Ser artista é viver o sonho, é trabalhar por amor, SIM, isso é verdade. MAS também somos seres humanos que precisam comer e viver em algum lugar.

Então, quando alguém chega para um artista e pede por uma peça gratuita e o artista diz “não”, quando ele não está fazendo troca de arte nem fazendo isso por pontos ou “lhamas” (tipos de “moedas de troca” na comunidade DeviantArt), ele está meramente tentando dizer que precisa de dinheiro de verdade, pois esse é o seu trabalho! Por isso, se algum dia você pensar em dizer para um artista “nossa, como isso está caro!”, por favor, não o faça, ou diga apenas “me desculpe, mas não posso arcar com esse custo no momento”, porque VOCÊ não pode colocar valor no trabalho de OUTRA PESSOA.

Arte não é como uma vassoura, objeto bastante útil e que as pessoas sabem mais ou menos quanto custa, porque é praticamente igual a todas as outras. No prefácio de “O retrato de Dorian Gray”, Oscar Wilde escreveu: “Podemos perdoar um homem por produzir uma coisa útil desde que ele não a admire. A única desculpa para fazer algo inútil é que alguém a admire intensamente. Toda arte é bastante inútil”. E é por isso que é bastante difícil encontrar o valor da Arte.

Alguns jovens artistas também são culpados por fazer as pessoas subestimarem o valor da arte: eles ficam confusos sobre quanto cobrar de seus novos clientes e também têm medo de que achem seu trabalho muito caro. Por isso não vendem nada. O que eles não entendem é que, fazendo isso, eles diminuem o valor do próprio trabalho e do trabalho de seus colegas artistas. Quando as pessoas encontram arte barata, começam a se perguntar por que outros artistas cobram mais por trabalhos similares. E não estou falando de obras de arte encontradas em museus ou galerias: o valor delas é um assunto completamente diferente e envolve várias outras questões.

Estou falando de simples peças comissionadas, designs de tatuagens, fan-arts e ilustrações para diversos propósitos. Cada caso é único e terá um diferente preço. Um jovem artista não pode cobrar tanto quanto um profissional por seus trabalhos, e as pessoas devem entender que a qualidade dos trabalhos será diferente também. Então, quando cobro 80 dólares por um desenho simples para uma tatuagem e as pessoas acham muito, elas acham que estão certas em clicar com o botão direito do mouse e escolher “copiar imagem”. É a mesma coisa quando você baixa uma música sem pagar por ela. É errado! Não é apenas um arquivo na internet. Alguém colocou muito esforço nela, estudou muitos anos, comprou boas ferramentas e equipamentos para produzi-la e usou algo que não é todo mundo que consegue usar: criatividade.

Ninguém pensa nisso antes de roubar uma obra de arte. Casos como o de Chad Liebermann são apenas uma hipérbole do que acontece todos os dias na internet. Artistas têm o dever de fazer as pessoas entenderem o valor de uma peça artística, não deixando que as pessoas usem sua arte sem pagar por ela e cobrando preços justos por seu trabalho.

“Nós temos a arte para não morrer da verdade”, (Friedrich Nietzsche).
Da próxima vez que se sentir tentado a usar o botão esquerdo do mouse, pense nisso.

texto escrito pela professora Gisela Pizzatto.
o texto original, em inglês:

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

...fragmentos do além... from DARK TOWER - Fim do Mundo



A aflição para aqueles que atravessam além das malditas Regiões Fronteiriças no Fim do Mundo. Este é um reino torcido e desolado onde a vida parece ter se passado anos atrás. Das paisagens arruinadas de Thunderclap às alturas congeladas de Empathica, o Fim do Mundo não mostra nenhuma clemência a jovens pistoleiros imprudentes. Em um mundo onde a informação e um bocado da sorte é a chave à sobrevivência, o Almanaque do Fim do Mundo serve como seu guia para Badlands, Le Casse Roi Russe e além!
(continua...)

O Futuro (e o fim?) do Livro - Revista Superinteressante

superinteressantepdltop [Papo Cabeça] O Futuro (e o fim?) do Livro


Ele tomou um banho de tecnologia e ganhou superpoderes. Ficou ágil, coletivo e revolucionário. Sua velha versão ainda resiste – mas por quanto tempo?

Todos os meses cerca de 20 pessoas comparecem a um encontro marcado em um prédio na região de Pinheiros, em São Pauio. É um grupo heterogêneo. Ali tem advogado, empresário, executivo, consultor. Eles se reúnem porque possuem algo em comum – sabem que o futuro de todos ali está ameaçado. Pra que você entenda o que está acontecendo, vamos às explicações. O prédio de Pinheiros é a sede da Câmara Brasileira do Livro. O pessoal que se reúne lá é formado, na maioria, por representantes de editoras e distribuidoras de livros. E o que os preocupa é um concorrente que vem desafiando o reinado do livro impresso, mantido há 6 séculos, desde a Bíblia de Gutenberg: o livro digital. “A tecnologia está avançando rapidamente. E nós, produtores de livros, ainda estamos presos ao papel”. diz Henrique Farinha, coordenador do grupo e diretor da Editora Gente.
O comandante desse ataque à literatura de papel tem um nome: Kindle. É o leitor eletrônico de livros lançado pela loja virtual americana Amazon. uma tela digital capaz de reproduzir as páginas de qualquer livro, ainda que com algumas limitações. Tem enormes vantagens na disputa com o papel. Digamos que você está lendo esta SUPER enquanto descansa numa paradisíaca praia do Nordeste. Você se interessou pela entrevista com Dan Ariely, na página 34, e resolveu comprar o livro Previsivelmente Irracional de autoria dele. Basta tirar o Kindle da mochila, navegar com ele pelo site da Amazon e fazer a compra na hora. Em coisa de um minuto, você terá o livro inteiro disponível no aparelho. Não é feitiçaria. é tecnologia – uma função wireless parecida com a de alguns celulares. O pagamento seria feito com o cartão de crédito. O preço: USS 9.99. uns RS 19 reais. Bem mais barato que o livro impresso. que custaria o equivalente a RS 31 na mesma loja. Sem contar que daria para ler ali, com o pé pra cima, qualquer outro livro que você já tivesse comprado pelo Kindle. O bichinho armazena mais de 1 500 obras. É o mesmo que carregar por aí uma biblioteca formada durante toda a vida.
A praticidade é a sacada revolucionária que fez do Kindle um hit entre os americanos, por enquanto os únicos a aproveitar suas funcionalidades (a rede wireless usada para venda dos livros ainda não funciona em outros países). Segundo a Amazon. um livro que tenha uma versão digital para o Kindle vende 35% mais cópias. De cada 4 exemplares vendidos de uma obra. um já é digital. Tem até gente pedindo autógrafo pra escritor no e-reader. (Aconteceu de verdade em Nova York, com o humorista David Sedaris. no lançamento de seu livro Engolido pelas Labaredas, no ano passado.) E olha que o Kindle ainda vive a sua infância. A tela já mostra texto e imagens, mas em branco e preto. Cores? Só daqui a alguns anos, segundo JeffBezos, o presidente da Amazon.
Conclusão 1: para os nossos amigos lá na Câmara Brasileira do Livro: o livro digital já pegou. Conclusão 2: se ficar ainda melhor, vai nocautear o livro impresso. Para piorar, uma legião de soldados vem na retaguarda do Kindle. tão ansiosa para vencer a batalha quanto seu líder. Os outros e-readers no mercado estão se sofisticando. Caso do Reader Digital Book. da Sony. Lançado em 2006, ele acabou de ganhar uma turbinada. Em março, a Sony dispo¬nibilizou para os donos de seu e-reader mais de 1 milhão de livros clássicos – de graça. Comor Uma parceria com o Google, que vem digitalizando obras por meio de acordos com editoras. Aliás, são textos que estão dispo níveis para a leitura também na internet. Basta entrar no Google Books – há outros 6 milhões de livros lá.
Sem contar que dá para ler um livro até pelo celular. Por enquanto, a coisa funciona graças ao Kindle – você baixa um aplicativo da Amazon pelo iPhone e manda ver na leitura. Mas já tem gente apostando que a Apple vem aí com uma idéia jobsiana para transformar o iPhone em um e-reader sofisticado. No Brasil, nada disso vale ainda. O primeiro a chegar deve ser criação tupiniquim mesmo: o Braview, previsto para outubro

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E eu com isso?
Beleza, o livro digital é mais prático e barato do que o impresso. E daír Daí que a transição vai mexer diretamente com a sua vida. Veja este caso: na cidade inglesa de Hacknev, a escola City Academy vai adotar e-books em formato PDF para ensinar seus alunos, uma criançada de 11 a 16 anos. Nada mais de livros convencionais. Para viabilizar a digitalização, a escola está trabalhando com editoras de livros que compõem o currículo escolar. Chega de ver criancinhas com mochilas de 3, 4, 5 quilos nas costas. No caso do Kindle, tudo caberia em menos de 300 gramas. O mesmo que você teria de carregar se saísse de férias e levasse 5 livros pra ler na viagem.
A dor na coluna vai diminuir. Mas a dor no bolso pode aumentar. É verdade, os e-books custam menos do que o livro impresso. O problema é que um modelo como o Kindle permite que você tenha um livro no momento em que quiser – nem sobra tempo para pensar duas vezes. É a oportunidade perfeita para as compras por impulso. E quem é mão de vaca não vai ter moleza pra pegar livro dos outros. Hoje, não dá para emprestar as obras digitais para os parentes ou amigos. A exceção é o Cool-er. da fabricante britânica ínteread. que deixa você repassar um arquivo para até 4 pessoas.
O livro digital também pode transformar a leitura em um ato coletivo. Não. não é que você vai reunir a galera pra contar historinha. É só a influência da web 2.0. Sabe aquelas anotações que a gente faz no canto da página? Com o livro em bibliotecas como a do Google, vai dar para ler seu conteúdo e deixar anotações para o próximo leitor. Teríamos acesso aos pensamentos e referências que outra pessoa, que nem conhecemos, deixou ali.
Bacana, não é? Mas as mudanças podem não ser tão positivas para o pessoal da indústria do livro, como aquele grupo do começo da reportagem. Pense aqui com a gente: se não vamos precisar de papel, tinta e distribuição pra fazer e vender livros…pra que servirão as editoras e distribuidoras? Aí é que o bicho pega. Autores best sellers não precisam de tanta orientação ou promoção pra vender livros. Poderiam cortar os intermediários e negociar direto com as lojas. Isso aumentaria a participação nos lucros. O movimento já começou: a Interead, aquela do Cool-er, ofereceu 50% do dinheiro das vendas para os escritores que coloquem seus livros à venda no site do e-reader, o Coolerbooks.com. Uma editora tradicional costuma pagar até 10%. Mas e os autores menos famosos? Eles ainda precisam das editoras. E a morte delas pode ser a morte de grande parte da boa literatura. Ou não: talvez qualquer um possa escrever um livro e colocar na internet. São questões ainda sem resposta.
De qualquer jeito, o modelo tradicional não vai desaparecer da noite para o dia – as vendas de livros eletrônicos não passam de 2″ o do mercado livreiro, e isso nos países em que o e-reader já é realidade. Mesmo assim, editoras e lojas estão se mexendo, seja digitalizando o catálogo, seja criando negócios no mundo virtual. Elas têm, no entanto, uma dor de cabeça maior pela frente. No empenho para consolidar seu leitor eletrônico, a Amazon cravou um preço para a venda da maioria de seus livros.- USS 9.99 – enquanto um título em capa dura custa em média entre US$ 25 e USS 35. Só que a própria Amazon paga entre USS 12 e USS 13 pra comprar obras das editoras. Ou seja, tem prejuízo. É uma aposta para o futuro: o preço baixo ajuda a atrair clientes a rodo. isso pode pressionar as editoras a baixar os preços para competir, sacrificando os lucros. E talvez as levando à falência. Só a Amazon se daria bem. porque teria a clientela formada e conseguiria colocar o negócio no azul.
Até as bibliotecas terão de aprender a viver nessa nova ordem. No exterior, os bibliotecários estão se especializando em pesquisas online. Querem ser profissionais preparados para ajudar estudantes e interessados a filtrar informações encontradas em sites. “Tem muito lixo na internet. As pessoas assumem como verdade qualquer informação achada na Wikipedia”, diz Nêmora Rodrigues, presidente do Conselho Federal de Biblioteconomia. “O bibliotecário precisará indicar o caminho para as fontes mais relevantes e fidedignas.”
Pois é, o livro eletrônico chegou botando banca. Mas o fato é que ele ainda não chegou de verdade. Há muito a ser aprimorado até que os aparelhos e bibliotecas online caiam nos braços do povo. “O livro impresso terá seu espaço até aparecer um leitor eletrônico que seja acessível, agradável de usar e tenha um formato atraente. A questão é quando vai surgir”. diz Henrique Farinha. De qualquer forma, o ringue está pronto. E o livro impresso, com suas capas coloridas, o cheiro de tinta e uma experiência de tato ainda inigualável, terá de barrar o ímpeto de seu oponente – mais jovem e cheio de novidades. Antes que o novato vire um produto a que nem o leitor mais conservador consiga resistir.

CADA UM DEIXARÁ SUAS ANOTAÇÕES NAS PÁGINAS DIGITAIS, E TODOS PODERÃO LER.
Os Rivais
Conheça os grandes concorrentes do livro impresso – eles poderão engolir a sua biblioteca em breve:
KINDLE/AMAZON
PREÇO: Duas versões. Uma por US$ 299 e outra, maior, por U5$ 489.
PONTOS FORTES: Nos EUA, dá para comprar mais de 275 mil livros em qualquer hora e lugar, pelo próprio e-reader.
PONTOS FRACOS: A Amazon tem controle sobre sua coleção. Pode deletar qualquer Livro, como fez em julho com 1984, por uma questão de direitos autorais- E não está disponível no Brasil
READER DIGITAL BOOK/SONY
PREÇO: Duas versões. Uma por US$ 279 e outra, pocket, por US$ 199.
PONTOS FORTES: Acesso gratuito a mais de 1 milhão de Livros do acervo do Google. E é mais barato do que o Kindle. 
PONTOS FRACOS: O download para o e-reader não é automático. É preciso conectar o aparelho ao computador para baixar os livros. Não está disponível no Brasil.

BR-100-NTX/ BRAVIEW
PREÇO: O equivalente a US$ 200.
PONTOS FORTES: É coisa nossa! Previsto para ser lançado por aqui em outubro, deve ser o único no país por um tempo.
PONTOS FRACOS: Será mais simples que seus amigos estrangeiros, sem wi-fi ou tela sensível ao toque. Ainda não divulgou quais e quantas serão as obras disponíveis para Leitura no e-reader.


Revista Superinteressante - Setembro de 2009

‘Não Contem com o Fim do Livro’ - Umberto Eco

umberto eco wideweb  470x3140 [Papo Cabeça] Eletrônicos duram 10 anos; livros, 5 séculos’ (Umberto Eco)
‘Eletrônicos duram 10 anos. Livros, 5 séculos’ - segundo Umberto Eco

Escritor italiano fala em entrevista exclusiva à Ubiratan Brasil, para o Caderno 2 do Estadão.
E também fala de seu novo projeto "Não Contem com o Fim do Livro".

MILÃO – O bom humor parece ser a principal característica do semiólogo, ensaísta e escritor italiano Umberto Eco. Se não, é a mais evidente. Ao pasmado visitante, boquiaberto diante de sua coleção de 30 mil volumes guardados em seu escritório/residência em Milão, ele tem duas respostas prontas quando é indagado se leu toda aquela vastidão de papel. “Não. Esses livros são apenas os que devo ler na semana que vem. Os que já li estão na universidade” – é a sua preferida. “Não li nenhum”, começa a segunda. “Se não, por que os guardaria?”
Na verdade, a coleção é maior, beira os 50 mil volumes, pois os demais estão em outra casa, no interior da Itália. E é justamente tal paixão pela obra em papel que convenceu Eco a aceitar o convite de um colega francês, Jean-Phillippe de Tonac, para, ao lado de outro incorrigível bibliófilo, o escritor e roteirista Jean-Claude Carrière, discutir a perenidade do livro tradicional. Foram esses encontros (“muito informais, à beira da piscina e regados com bons uísques”, informa Umberto Eco) que resultaram em Não Contem Com o Fim do Livro, que a editora Record lança na segunda quinzena de abril.
A conclusão é óbvia: tal qual a roda, o livro é uma invenção consolidada, a ponto de as revoluções tecnológicas, anunciadas ou temidas, não terem como detê-lo. Qualquer dúvida é sanada ao se visitar o recanto milanês de Eco, como fez o Estado na última quarta-feira. Localizado diante do Castelo Sforzesco, o apartamento – naquele dia soprado por temperaturas baixíssimas, a neve pesada insistindo em embranquecer a formidável paisagem que se avista de sua sacada – encontra-se em um andar onde antes fora um pequeno hotel. “Se eram pouco funcionais para os hóspedes, os longos corredores são ótimos para mim pois estendo aí minhas estantes”, comenta o escritor, com indisfarçável prazer, ao apontar uma linha reta de prateleiras repletas que não parecem ter fim. Os antigos quartos? Transformaram-se em escritórios, dormitórios, sala de jantar, etc. O mais desejado, no entanto, é fechado a chave, climatizado e com uma janela que veda a luz solar: lá estão as raridades, obras produzidas há séculos, verdadeiros tesouros. Isso mesmo: tesouros de papel.
Conhecido tanto pela obra acadêmica (é professor aposentado de semiótica, mas ainda permanece na ativa na Faculdade de Bolonha) como pelos romances (O Nome da Rosa, publicado em 1980, tornou-se um best-seller mundial), Eco é um colecionador nato; além de livros, gosta também de selos, cartões-postais, rolhas de champanhe. Na sala de seu apartamento, estantes de vidro expõem tantos os livros raros – que, no momento, lideram sua preferência – como conchas, pedras, pedaços de madeira. As paredes expõem quadros que Eco arrematou nas visitas que fez a vários países ou que simplesmente ganhou de amigos – caso de Mário Schenberg (1914-1990), físico, político e crítico de arte brasileiro, de quem o escritor guarda as melhores recordações.
Aos 78 anos, Eco – que tem relançado no País Arte e Beleza na Estética Medieval (Record, 368 págs., R$ 47,90, tradução de Mario Sabino) – exibe uma impressionante vitalidade. Diverte-se com todo tipo de cinema (ao lado de seu aparelho de DVD repousa uma cópia da animação Ratatouille), mantém contato com seus alunos em Bolonha, escreve artigos para jornais e revistas e aceita convites para organizar exposições, como a que o transformou, no ano passado, em curador, no Museu do Louvre, em Paris. Lá, o autor teve o privilégio de passear sozinho pelos corredores do antigo palácio real francês nos dias em que o museu está fechado. E, como um moleque levado, aproveitou para alisar o bumbum da Vênus de Milo. Foi com esse mesmo espírito bem-humorado que Eco – envergando um elegante terno azul-marinho, que uma revolta gravata da mesma cor tratava de desalinhar; o rosto sem a característica barba grisalha (raspada religiosamente a cada 20 anos e, da última vez, em 2009, também porque o resistente bigode preto o fazia parecer Gengis Khan nas fotos) – conversou com a reportagem do Sabático.
O livro não está condenado, como apregoam os adoradores das novas tecnologias?
O desaparecimento do livro é uma obsessão de jornalistas, que me perguntam isso há 15 anos. Mesmo eu tendo escrito um artigo sobre o tema, continua o questionamento. O livro, para mim, é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objeto que, uma vez inventado, não muda jamais. Continua o mesmo e é difícil de ser substituído. O livro ainda é o meio mais fácil de transportar informação. Os eletrônicos chegaram, mas percebemos que sua vida útil não passa de dez anos. Afinal, ciência significa fazer novas experiências. Assim, quem poderia afirmar, anos atrás, que não teríamos hoje computadores capazes de ler os antigos disquetes? E que, ao contrário, temos livros que sobrevivem há mais de cinco séculos? Conversei recentemente com o diretor da Biblioteca Nacional de Paris, que me disse ter escaneado praticamente todo o seu acervo, mas manteve o original em papel, como medida de segurança.
Qual a diferença entre o conteúdo disponível na internet e o de uma enorme biblioteca?
A diferença básica é que uma biblioteca é como a memória humana, cuja função não é apenas a de conservar, mas também a de filtrar – muito embora Jorge Luis Borges, em seu livro Ficções, tenha criado um personagem, Funes, cuja capacidade de memória era infinita. Já a internet é como esse personagem do escritor argentino, incapaz de selecionar o que interessa – é possível encontrar lá tanto a Bíblia como Mein Kampf, de Hitler. Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta. Sou capaz de distinguir os sites confiáveis de filosofia, mas não os de física. Imagine então um estudante fazendo uma pesquisa sobre a 2.ª Guerra Mundial: será ele capaz de escolher o site correto? É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse será o problema crucial da educação nos próximos anos.
Não é possível prever o futuro da internet?
Não para mim. Quando comecei a usá-la, nos anos 1980, eu era obrigado a colocar disquetes, rodar programas. Hoje, basta apertar um botão. Eu não imaginava isso naquela época. Talvez, no futuro, o homem não precise escrever no computador, apenas falar e seu comando de voz será reconhecido. Ou seja, trocará o teclado pela voz. Mas realmente não sei.
Como a crescente velocidade de processar dados de um computador poderá influenciar a forma como absorvemos informação?
O cérebro humano é adaptável às necessidades. Eu me sinto bem em um carro em alta velocidade, mas meu avô ficava apavorado. Já meu neto consegue informações com mais facilidade no computador do que eu. Não podemos prever até que ponto nosso cérebro terá capacidade para entender e absorver novas informações. Até porque uma evolução física também é necessária. Atualmente, poucos conseguem viajar longas distâncias – de Paris a Nova York, por exemplo – sem sentir o desconforto do jet lag. Mas quem sabe meu neto não poderá fazer esse trajeto no futuro em meia hora e se sentir bem?
É possível existir contracultura na internet?
Sim, com certeza, e ela pode se manifestar tanto de forma revolucionária como conservadora. Veja o que acontece na China, onde a internet é um meio pelo qual é possível se manifestar e reagir contra a censura política. Enquanto aqui as pessoas gastam horas batendo papo, na China é a única forma de se manter contato com o restante do mundo.
Em um determinado trecho de ‘Não Contem Com o Fim do Livro’, o senhor e Jean-Claude Carrière discutem a função e preservação da memória – que, como se fosse um músculo, precisa ser exercitada para não atrofiar.
De fato, é importantíssimo esse tipo de exercício, pois estamos perdendo a memória histórica. Minha geração sabia tudo sobre o passado. Eu posso detalhar sobre o que se passava na Itália 20 anos antes do meu nascimento. Se você perguntar hoje para um aluno, ele certamente não saberá nada sobre como era o país duas décadas antes de seu nascimento, pois basta dar um clique no computador para obter essa informação. Lembro que, na escola, eu era obrigado a decorar dez versos por dia. Naquele tempo, eu achava uma inutilidade, mas hoje reconheço sua importância. A cultura alfabética cedeu espaço para as fontes visuais, para os computadores que exigem leitura em alta velocidade. Assim, ao mesmo tempo que aprimora uma habilidade, a evolução põe em risco outra, como a memória. Lembro-me de uma maravilhosa história de ficção científica escrita por Isaac Asimov, nos anos 1950. É sobre uma civilização do futuro em que as máquinas fazem tudo, inclusive as mais simples contas de multiplicar. De repente, o mundo entra em guerra, acontece um tremendo blecaute e nenhuma máquina funciona mais. Instala-se o caos até que se descobre um homem do Tennessee que ainda sabe fazer contas de cabeça. Mas, em vez de representar uma salvação, ele se torna uma arma poderosa e é disputado por todos os governos – até ser capturado pelo Pentágono por causa do perigo que representa (risos). Não é maravilhoso?
No livro, o senhor e Carrière comentam sobre como a falta de leitura de alguns líderes influenciou suas errôneas decisões.
Sim, escrevi muito sobre informação cultural, algo que vem marcando a atual cultura americana que parece questionar a validade de se conhecer o passado. Veja um exemplo: se você ler a história sobre as guerras da Rússia contra o Afeganistão no século 19, vai descobrir que já era difícil combater uma civilização que conhece todos os segredos de se esconder nas montanhas. Bem, o presidente George Bush, o pai, provavelmente não leu nenhuma obra dessa natureza antes de iniciar a guerra nos anos 1990. Da mesma forma que Hitler devia desconhecer os relatos de Napoleão sobre a impossibilidade de se viajar para Moscou por terra, vindo da Europa Ocidental, antes da chegada do inverno. Por outro lado, o também presidente americano Roosevelt, durante a 2.ª Guerra, encomendou um detalhado estudo sobre o comportamento dos japoneses para Ruth Benedict, que escreveu um brilhante livro de antropologia cultural, O Crisântemo e a Espada. De uma certa forma, esse livro ajudou os americanos a evitar erros imperdoáveis de conduta com os japoneses, antes e depois da guerra. Conhecer o passado é importante para traçar o futuro.
Diversos historiadores apontam os ataques terroristas contra os americanos em 11 de setembro de 2001 como definidores de um novo curso para a humanidade. O senhor pensa da mesma forma?
Foi algo realmente modificador. Na primeira guerra americana contra o Iraque, sob o governo de Bush pai, havia um confronto direto: a imprensa estava lá e presenciava os combates, as perdas humanas, as conquistas de território. Depois, em setembro de 2001, se percebeu que a guerra perdera a essência de confronto humano direto – o inimigo transformara-se no terrorismo, que podia se personificar em uma nação ou mesmo nos vizinhos do apartamento ao lado. Deixou de ser uma guerra travada por soldados e passou para as mãos dos agentes secretos. Ao mesmo tempo, a guerra globalizou-se; todos podem acompanhá-la pela televisão, pela internet. Há discussões generalizadas sobre o assunto.
Falando agora sobre sua biblioteca, é verdade que ela conta com 50 mil volumes?
Sim, de uma forma geral. Nesse apartamento em Milão, estão apenas 30 mil – o restante está no interior da Itália, onde tenho outra casa. Mas sempre me desfaço de algumas centenas, pois, como disse antes, é preciso fazer uma filtragem.
Por que o senhor impediu sua secretária de catalogá-los?
Porque a forma como você organiza seus livros depende da sua necessidade atual. Tenho um amigo que mantém os seus em ordem alfabética de autores, o que é absolutamente estúpido, pois a obra de um historiador francês vai estar em uma estante e a de outro em um lugar diferente. Eu tenho aqui literatura contemporânea separada por ordem alfabética de países. Já a não contemporânea está dividida por séculos e pelo tipo de arte. Mas, às vezes, um determinado livro pode tanto ser considerado por mim como filosófico ou de estética da arte; depende do motivo da minha pesquisa. Assim, reorganizo minha biblioteca segundo meus critérios e somente eu, e não uma secretária, pode fazer isso. Claro que, com um acervo desse tamanho, não é fácil saber onde está cada livro. Meu método facilita, eu tenho boa memória, mas, se algum idiota da família retira alguma obra de um lugar e a coloca em outro, esse livro está perdido para sempre. É melhor comprar outro exemplar (risos).
Um estudioso que também é seu amigo, Marshall Blonsky, escreveu certa vez que existe de um lado Umberto, o famoso romancista, e de outro Eco, professor de semiótica.
E ambos sou eu (risos). Quando escrevo romances, procuro não pensar em minhas pesquisas acadêmicas – por isso, tiro férias. Mesmo assim, leitores e críticos traçam diversas conexões, o que não discuto. Lembro de que, quando escrevia O Pêndulo de Foucault, fiz diversas pesquisas sobre ciência oculta até que, em um determinado momento, elas atingiram tal envergadura que temi uma teorização exagerada no romance. Então, transformei todo o material em um curso sobre ciência oculta, o que foi muito bem-feito.
Por falar em ‘O Pêndulo de Foucault’, comenta-se que o senhor antecipou em muito tempo O Código de Da Vinci, de Dan Brown.
Quem leu meu livro sabe que é verdade. Mas, enquanto são os meus personagens que levam a sério esse ocultismo barato, Dan Brown é quem leva isso a sério e tenta convencer os leitores de que realmente é um assunto a ser considerado. Ou seja, fez uma bela maquiagem. Fomos apresentados neste ano em uma première do Teatro Scala e ele assim se apresentou: “O senhor não me admira, mas eu gosto de seus livros.” Respondi: Não é que eu não goste de você – afinal, eu criei você (risos).
Em seu mais conhecido romance, O Nome da Rosa, há um momento em que se discute se Jesus chegou a sorrir. É possível pensar em senso de humor quando se trata de Deus?
De acordo com Baudelaire, é o Diabo quem tem mais senso de humor (risos). E, se Deus realmente é bem-humorado, é possível entender por que certos homens poderosos agem de determinada maneira. E se ainda a vida é como uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, como Shakespeare apregoa em Macbeth, é preciso ainda mais senso de humor para entender a trajetória da humanidade.
Como foi a exposição no Museu do Louvre, em Paris, da qual o senhor foi curador, no ano passado?
Há quatro anos, o museu reserva um mês para um convidado (Toni Morrison foi escolhida certa vez) organizar o que bem entender. Então, me convidaram e eu respondi que queria fazer algo sobre listas. “Por quê?”, perguntaram. Ora, sempre usei muitas listas em meus romances – até pensei em escrever um ensaio sobre esse hábito. Bem, quando se fala em listas na cultura, normalmente se pensa em literatura. Mas, como se trata de um museu, decidi elaborar uma lista visual e musical, essa sugerida pela direção do Louvre. Assim, tive o privilégio (que não foi oferecido a Dan Brown) de visitar o museu vazio, às terças-feiras, quando está fechado. E pude tocar a bunda da Vênus de Milo (risos) e admirar a Mona Lisa a apenas 20 centímetros de distância.
O senhor esteve duas vezes no Brasil, em 1966 e 1979. Que recordações guarda dessas visitas?
Muitas. A primeira, em São Paulo, onde dei algumas aulas na Faculdade de Arquitetura (da USP), que originaram o livro A Estrutura Ausente. Já na segunda fui acompanhado da família e viajamos de Manaus a Curitiba. Foi maravilhoso. Lembro-me de meu editor na época pedindo para eu ficar para o carnaval e assistir ao desfile das escolas de samba de camarote, o que não pude atender. E também me recordo de imagens fortes, como a da moça que cai em transe em um terreiro (para o qual fui levado por Mario Schenberg) e que reproduzo em O Pêndulo de Foucault.




Em 15 lições, um incentivo a leitura. Uma ajuda aos estudos!

... porque melhor que escutar é ter algo para falar!